A primeira rodovia cênica do Brasil
Texto de Luiz Carlos Prestes Filho*
É uma mudança conceitual, na maneira de olhar as potencialidades do município de Nova Friburgo, a que se coloca através da proposta de criação da rodovia cênica, de 180 km, que terá forma de anel, passando por lugares de encantamento paisagístico e de riquezas naturais. Toda esta rodovia é abraçada pela exuberante Mata Atlântica, com diversidade única no planeta. Pelas condições rústicas de certos trechos, pode-se denominar a mesma de caminho cênico, fazendo um paralelo direto com o caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, que mobiliza todos os anos milhares de turistas. Os visitantes da rodovia cênica não encontrarão somente locais de devoção religiosa, como a localidade de São Pedro da Serra, mas vilas que guardam marcas dos pioneiros que foram residir na região de nacionalidade alemã, suíça, portuguesa, africana, austríaca, húngara, libanesa, italiana ou japonesa. Durante a caminhada poderão observar cenários exuberantes como o que se desdobra nos Três Picos, local ainda pouco conhecido pela população do estado do Rio de Janeiro.
Na opinião do engenheiro Heródoto Bento de Melo, atual prefeito de Nova Friburgo e idealizador da proposta, a simplicidade de gestão deste caminho está no fato de que todo ele está dentro dos limites de sua municipalidade. Não são necessários convênios, federal ou estadual: "Na minha visão, não sou um administrador de uma cidade que tem um parque, sou administrador de um parque que tem uma pequena cidade no seu coração. Tanto que estou criando a Secretaria Municipal de Recursos Hídricos, por entender que devemos municipalizar a gestão de nossas águas, riqueza que temos em excesso. E por que não pensar no ar puro, nas árvores nativas?".
O novo conceito modifica a lógica de desenvolvimento econômico deste município da Região Serrana. Sua administração assume uma radical posição de que a "geração de emprego e renda passa pela administração de suas riquezas naturais"; em outras palavras, passa pela exploração pró-ativa do meio ambiente.
A rodovia cênica buscará valorizar as atividades econômicas da população: agricultura familiar, turismo, floricultura, artesanato, produção de água mineral, fabricação de móveis rústicos e gastronomia. Nela serão erguidos totens de sinalização históricos e culturais, construídas ciclovias, instaladas fontes de água e abrigos. Os caminhantes contarão com casas de pouso e de alimentação.
Outras atividades, bem mais modernas – mas nem por isso menos respeitosas à natureza – também podem vir a ser desenvolvidas. No mundo atual, falar de indicadores econômicos implica a consideração de questões relacionadas à propriedade intelectual e biogenética. Este caminho no meio da Mata Atlântica pode colaborar para estruturar projetos arrojados no campo científico e tecnológico, transformando-se em uma base para realização de rendosas pesquisas universitárias e empresariais, nacionais e internacionais, no campo de produção de medicamentos.
Os 180 km são formados por trechos de antigas estradas vicinais, pisadas pelos tropeiros, que, no lombo de burros, consolidaram seu desenho sinuoso. Ela nunca tinha sido identificada antes, porque acreditava-se que para promover o desenvolvimento econômico local bastava atrair fábricas poluentes. Hoje, a lógica se inverteu.
A cidade de Nova Friburgo, com a população de 177 mil habitantes, sempre foi vista no Brasil como um polo industrial. Por sua dinâmica atuação no setor de confecções, que produz 25% da moda íntima nacional, e pela presença no setor metal-mecânico, por conta das empresas de fabricação de fechaduras e cadeados. O descolamento desta identidade é um risco. Apesar de apontar para um futuro viável, abrindo perspectivas para atração de investimentos como aporte no crédito de carbono, entre outros recursos, poderia desestabilizar o fator primordial de geração de emprego e renda que funciona no momento.
A criação da rodovia cênica permitirá uma constante fiscalização de proteção do patrimônio natural existente. A experiência, ora em andamento nas vilas de Mury, Lumiar e São Pedro da Serra, onde se estruturou a governança do Arranjo Produtivo Local (APL) de Entretenimento e Turismo, poderá ser expandida para as localidades impactadas pela realização do projeto, permitindo aos agentes econômicos melhorar, por exemplo, a qualidade da infraestrutura de energia elétrica, de comunicação, de mão-de-obra especializada, de proteção do habitat natural e de expansão de projetos de educação ambiental.
Então, quem se habilita em conhecer este universo da rodovia cênica? Pelos cálculos, em dez dias de caminhada é possível visitar toda sua majestade. Da minha parte, já estou de mochila pronta. E o jovem Heródoto, de 83 anos, confirmou que também vai!
* Luiz Carlos Prestes Filho é autor dos livros 'Economia da Cultura – A Força da Indústria Cultural do Rio de Janeiro' e 'Cadeia Produtiva da Economia da Música'.
publicado em 30/03/2009 no jornal "A Voz da Serra"
Para acessar o site do Jornal utilize o link abaixo:
http://www.avozdaserra.com.br/noticias.php?noticia=4037
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